O TERCEIRO TEMA É UMA CANÇÃO QUE RESULTA DA COLABORAÇÃO DA CANTORA COM LUÍS FIRMINO E HENRIQUE SILVA (ACÁCIA MAIOR). “NÔVE KRETXÊU” SUCEDE A “SINGA” E AO SINGLE DE ESTREIA, “SOL DI NHA VIDA”, TEMAS QUE FIGURAM NESTE NOVO ÁLBUM DA CANTORA CABO-VERDIANA, COM LANÇAMENTO A15 DE MARÇO.
A voz de Nancy Vieira já se fez ouvir em praticamente todos os continentes e em cada recanto do mundo em que tal aconteceu uma coisa sucedeu invariavelmente: as pessoas quedam-se em reverente silêncio de cada vez que a sua voz límpida e directa nos fala das histórias, dos sonhos e anseios, das dores e alegrias das gentes das ilhas de Cabo Verde. É que na voz de Nancy cabem um país e o mundo que a diáspora foi abrindo.
GENTE, o seu novo álbum, sucede a Manhã Florida, trabalho que já data de 2018, e traduz uma assinalável ambição artística. Desde logo porque se trata de uma obra concebida com vagar, pensada, discutida e meticulosamente planeada. E o título, na verdade, já revela tudo o que importa saber: trata-se de um trabalho de encontros, de histórias, de ideias, de balanços, mas, sobretudo, de pessoas, como teve ocasião de explicar numa muito concorrida apresentação no B.Leza, em Lisboa.
Com produção repartida entre Amélia Muge, António José Martins e a própria Nancy Vieira, GENTE foi gravado em Lisboa entre o histórico estúdio Namouche e o Cervantes Estúdio de Jorge Cervantes, músico peruano que toca no álbum além de assegurar alguns dos arranjos. Esse mundo que Nancy Vieira tão bem conhece por já lhe ter percorrido os palcos entra também neste álbum: Lisboa, cidade em que Nancy estudou e há muito reside, marca farta presença – é afinal de contas a base de trabalho da equipa de produtores e de vários dos músicos, como o percussionista Iuri Oliveira, sofisticada força motriz de tanta grande música que tem sido lançada nos últimos anos entre nós; Mário Lúcio, Vaiss Dias ou Zé Paris são tesouros vivos da música de Cabo Verde que aqui tocam instrumentos de cordas, incluindo o baixo; do País Basco chega Olmo Marin, que também é mestre em cordofones; do Brasil são o acordeonista Luciano Maia e Gustavo Nunes; e da Ucrânia veio o violinista Denys Stetsenko. Um mundo de muita GENTE, de facto.
A música que se escuta em GENTE tem também autorias vincadas: o conceituado Mário Lúcio assina quatro temas, mas há canções nascidas das penas de Remna, de Luís Firmino dos Acácia Maior, do grande e histórico B.Leza, de Ano Nobo, José M. Neves e Kaku Alves, de Adalberto S. Betú. Alexandre Lenos com Fred Martins, Luís Lima e Vaiss, Teófilo Chantre e, claro, de Amélia Muge. Ou seja, temas que vêm da funda tradição e da memória feita em Cabo Verde, mas que também surgem de cabeças de gentes de outras gerações e países e que são firmadas por uma nova geração que projecta já no futuro a alma destas ilhas.
Os arranjos, carregados de subtilezas, ricos de balanços e harmonias, traduzem visões de Jorge Cervantes, dos Acácia Maior de Luís Firmino e Henrique Silva, nomes fundamentais da nova geração de Cabo Verde, dos lisboetas Fogo Fogo que têm erguido bem alto a bandeira do novo funaná ou do experiente Mário Lúcio. E há também outros convidados que espelham essa multiplicidade de experiências e de cruzamentos na vida de Nancy: António Zambujo que junta a sua voz à de Nancy no belíssimo “Fado Criolo”, tema em que também se escutam a cadência falada de Chullage e a guitarra acústica de Fred Martins, ou Miroca Paris que pinta com percussões “Dia Funçon”.
São muitas as gentes deste GENTE, um álbum que evita o caminho fácil dos toques de “modernidade” dados por via tecnológica e que prefere no seu aparente tradicionalismo formal promover a magia particular que só acontece quando pessoas de diferentes caminhos da vida se encontram num mesmo espaço para partilharem, tocarem e cantarem as suas diferentes histórias. Há tanto Cabo Verde neste disco, ou não tivesse Nancy tantas vezes sido apontada como herdeira de Cesária Évora, uma das suas mais fortes musas. Neste álbum encontra-se também aquele mundo que só existe nas ruas de Lisboa e onde se escutam as nuances do Brasil, ecos de tantas outras Áfricas e de muitas Europas e Américas. Há morna e samba, fado, sofisticação com tons de jazz e aventura de espírito pop. Há GENTE. Há vida. Este é um álbum feito agora a pensar no amanhã. Ontem só importa porque foi o que nos trouxe a todos aqui. A este disco e a esta música.