Há Camões, Justin Adams e desamor no novo fado de Lina
Há três anos a fadista Lina, na companhia do produtor e músico Raül Refree, juntaram-se à volta do repertório de Amália, surpreendendo o mundo com um álbum arrojado e celebrado em todos os quadrantes.
Agora, ei-la que regressa, ainda mais poderosa, não só na voz inconfundível mas também na composição de algumas canções, na companhia do produtor e músico britânico Justin Adams, reunidos à volta da poesia de Camões. Para já haverá o single “Desamor” e, no início de 2024, o novo álbum que, de forma esclarecedora, receberá o título de “Fado Camões”.
A nova canção traça bem o renovado trajecto, numa lógica onde a familiaridade e a novidade andam a par. Reconhecemos alguns traços que fascinavam no anterior registo (e até nos dois álbuns iniciais, ainda como Carolina), como a elegância despojada, mas depois existe uma espacialidade e um lugar de respiração entre voz, piano, guitarra e quase silêncio, que criam outros cenários, com a dor, justeza e dignidade, a par.
“É uma canção que fala sobre os amores de infância”, reflecte Lina. “O poeta quer que uma criança consiga entender o poema e por isso coloca-o na boca de uma menina. E por esse poema ter essa caracteristica, em estúdio, quis que existissem momentos sonoros, no início, com uma proximidade ao som da caixa-de-música, remetendo para um certo universo infantil ou que nos pode evocar os amores de infância.”
É simultaneamente uma nova e uma reconhecível Lina que entrevemos, depois de ter trabalhado com o produtor catalão Raul Refree, conhecido pelos trabalhos com Rosalía, Sílvia Pérez Cruz ou Thurston Moore. O disco de ambos tornou-se num caso de sucesso, recebendo inúmeros reconhecimentos como o álbum do ano para a World Music Chart de 2020, Prémio Carlos do Carmo 2021, vencedor do Preis Der Deutschen Schallplattenkritik da Alemanha para Melhor Álbum de Música do Mundo do 1º Semestre de 2020, o Prix de L’ Académie Charles Cros de França (COUP de COEUR 2020), ou figurar no Top 5 dos melhores álbuns do ano para o francês Le Monde em 2020, ou nomeações como os os prémios Les Victoires du Jazz 2020 ou os Talent Music Moves Europe Awards 2021.
Agora abre-se um novo capítulo com Justin Adams, conhecido músico, compositor e produtor britânico, cúmplice de Robert Plant e da sua banda, e produção de álbuns para Robert Plant, Rachid Taha, Tinariwen, Jah Wooble ou mais recentemente com Souad Massi, para além de colaborações com Brian Eno, Sinead O’ Connor e diversos músicos árabes e africanos, como aconteceu com o músico Juldeh Camara da Gâmbia.
Na maior parte dos projectos onde se envolveu existiu sempre essa ideia de partir de estruturas sólidas, linguagens enraizadas na tradição, sejam blues, folk ou alguma música africana, e atribuir-lhes outras perspectivas, daí que não espante o desejo actual de abordar o fado e a voz de Lina.
Para além da graciosidade e do despojamento que rodeia a sua voz, dos acordes cristalinos da guitarra portuguesa que nos remetem para o fado, existe também um certo ambiente e balanço africanizado, como se o duo tivesse ido também à procura das origens e ligações entre fado e África.
É um álbum que, como se ouvirá, coloca a poesia de Camões em cenários de melancolia e suspensão, mas também de celebração da existência. Na concepção sonora, em estúdio, a rodear a voz de Lina, esteve a guitarra portuguesa de Pedro Viana, o piano, teclas e arranjos de John Baggott, músico e compositor que já operou com os Massive Attack ou Portishead, e também, em dois temas, Ianina Khmelik, no violino.
Na digressão que terá início em Fevereiro do próximo ano, a acompanhar Lina, em voz e sintetizadores, estará Pedro Viana, em guitarra portuguesa, bem como Ianina Khmelik, em violino, piano acústico e sintetizadores, prevendo-se que John Baggott também esteja presente em algumas datas.
É um novo capítulo que agora se começa a escrever, depois de Lina ter começado a cantar aos 10 anos no Círculo Portuense de Ópera e ter estudado no Conservatório, antes de se apaixonar pelas casas de fado, que nunca abandonou, e ter gravado os álbuns “Carolina” e “EnCantado”, assinados como Carolina. Depois vieram tempos de crescimento musical, e de expansão de horizontes, e agora existe Camões no seu horizonte e uma sonoridade renovada, onde o centro é ainda e sempre a sua expressividade vocal, sensorial, latejante, cheia de vida para nos tocar.