Amélia Muge – Amélias

amélias – o projeto

Amélia Muge é uma reconhecida cantora e criadora muito eclética, fazendo revisitações que vão às raízes da música tradicional, passando pelos desafios de fusão multicultural e pelas linguagens mais contemporâneas.
A componente visual sempre funcionou também no seu trabalho como elemento fundamental de inspiração transdisciplinar.
Pioneira em Portugal do canto individual a vozes e de criação de ambientes vocais, amélia muge foi desenvolvendo potenciais tímbricos, que, numa interacção com samples feitos a partir da sua voz, lhe permite ter esse canto simultâneamente plural e individual. Esta é uma componente que tem vindo a utilizar regularmente na maioria dos seus trabalhos.
O CD amélias surge na continuidade deste canto com vozes dela própria, inspirado sobretudo na riqueza do canto feminino em grupo, muito dele à Capela, trazendo memórias sonoras dessa expressão vocal tradicional, numa leitura mais contemporânea, sem no entanto lhe retirar a raiz comum, revisitando também outras e novas abordagens.

Amelia Muge e Filipe Raposo – Pelo fio dos versos Tour Portugal

 

“Pelo Fio dos versos” – O projeto

Este concerto é o ponto de partida, para, tendo como referência o nosso amor à poesia, partilharmos uma viagem pelo fio dos versos convocando, através das palavras e da música, poetas, histórias, formas de ver, sentir, ouvir, tocar e cantar o mundo. Não é uma vacina, mas faz bem à saúde.

 Ondula como um canto o poema. Cria mapas, pinturas sonoras, ecoa em nós no fundo de uma palavra, de uma pausa, de um silêncio, de um grito mudo que fica ali, à espera de nós, para nos sair pela boca fora, como quem respira.

São as palavras dos poetas, que quando nos tocam se libertam, qual pássaro preso numa gaiola de sons , circunscrito ao espaço fechado da página, no momento em que um olhar, uma garganta, uma mão no piano, abre a gaiola e as sentimos na boca, no “palavrar”, no “hálito da terra”.

 Amélia Muge e Filipe Raposo vão trazer alguns dos poetas que gostam de ouvir e ver.  Sentem-se com eles. À escuta.

 É uma mesa cheia de apetites. Sirvam-se e repitam do que quiserem. É uma mesa farta onde todos têm lugar.

 Ela canta. Ela canta. É uma voz da terra, é uma voz das veias 

Seria talvez um músculo sombrio, um ombro preso a um muro 

Agora canta lentamente e é um monte sublevando-se 

Uma coluna ondula e o seu volume cresce com o hálito da terra 

É uma voz que canta com as secretas fontes do corpo 

Com as pálpebras, com as pupilas, com os braços côncavos 

E é como se reunisse em voluptuosas braçadas 

as grandes flores do vento, as lentas anémonas do mar 

Essa voz tem a nudez sombria de um afectuoso felino 

e nasceu talvez da respiração quando dilatou o ventre 

para libertar os tumultuosos arcos 

que ela modela ao ritmo das sombras 

e das lâmpadas vegetais entre os seus flancos azuis 

 

António Ramos Rosa, sobre o canto de Amélia Muge 

Anna Setton – o futuro

Anna Setton é uma artista, cantautora e instrumentista de S. Paulo formada no lado mais inte- ressante da MPB: moldou a voz a cantar nos clubes de São Paulo, correu mundo a acompanhar o enorme Toquinho, colaborou com Omara Portuondo, Sadao Watanabe, Mestrinho, entre muitos outros músicos da atualidade. Percurso que lhe deu o balanço certo para se estrear em disco em nome próprio em 2018, com um homónimo registo que lhe sublinhou o óbvio talento. A pandemia inspirou-a a pegar no violão e a fazer lives semanais onde ia entregando a sua voz a grandes tesou- ros da canção popular brasileira. Tal disciplina levou-a a fazer Onde Mora meu Coração, álbum de certeiras versões onde se inclui, por exemplo, a belíssima “Morena Bonita”, de Toninho Horta.

Este novo trabalho de Anna foi gravado no Recife, deixando, como explica, que as canções a esco- lhessem a ela. Sobre moderna e subtil produção, Anna soa lúdica, carregada de luz, leve e transpa- rente, com a sua voz a posicionar-se bem no centro da canção, como deve ser. Neste trabalho Anna Setton contou com os préstimos de vários talentos da nova geração do Recife, casos do produtor e compositor Barro e Guilherme de Assis, João Camarero ou ainda de ou Ed Sataudinger e Juliano Holanda, Igor de Carvalho, Edu Sanginardi e Rodrigo Campello. Com a ajuda desses compositores que entendem como inovar os moldes clássicos da MPB, Anna canta palavras da sua própria au- toria, firmando-se cada vez mais como autora. “É um disco muito moderno”, promete Anna. “Os meninos com quem trabalhei traduzem de forma muito actual a tradição com que aprendi, a da grande canção brasileira”. De facto, Anna Setton já cantou clássicos de outros tempos. Agora ofe- rece a sua alma e voz ao futuro.

 

Carlos Maria Trindade

Vitral Submerso – O Projeto

Esta é a história de um regresso às origens. É também o título de um concerto para piano solo, bem como de um disco que deverá sair até ao final deste ano de 2023. Quando tinha 5 anos de idade, acompanhei o meu pai a um leilão de antiguidades onde se encontrava um velho piano vertical de fabrico francês e armação de madeira. Abri a tampa e comecei a tocar as “Pombinhas da Catrina” com um dedo da mão direita. O meu pai murmurou: “O miúdo tem jeito. Tenho de o pôr a estudar música.” E comprou o piano. Aos 9 anos entrei para o Conservatório da R dos Caetanos e foi assim que comecei a minha aventura pianística. No entanto, os duros métodos pedagógicos da altura não me conquistaram e era penoso ter de estudar diariamente num piano que nem sequer afinava. Aos 16 anos tomei contacto com o Rock Sinfónico e comecei a apaixonar-me pelos teclados eléctricos. Consegui comprar um órgão Yamaha de dois teclados e pedaleira e entrei num grupo que tocava em convívios de liceu. Estávamos nos princípios dos anos 70. A partir daí rendi-me aos sintetizadores que começavam a sair nessa altura e nunca mais quis saber do piano… até ao dia 30 de Março de 2018, quando o quarto de cauda chegou ao meu estúdio. Carregado por quatro homens, o pesado móvel dá entrada na sala que para ele foi concebida há 11 anos e que, desde essa altura, o espera. Sem pernas, pesadíssimo, entra pela porta mais larga. Eu próprio ajudei a colocar uma espuma no chão para que não riscasse o parqué. Comovido, doulhe as boas vindas com um olhar silencioso, tentando esconder a minha excitação, ciente de que estes homens fazem disto a sua vida e estão apenas concentrados em acabar mais um transporte, como tantos outros. Enquanto um deles atarracha as três pernas, decido da sua colocação na sala. Endireitamo-lo e aí está ele: o Grotrian -Steinweg quarto de cauda fabricado em 1920 está de pé. Negro e, por enquanto silencioso, já se percebe que a sala é dele. Depois de uma pequena conversa de circunstância, os homens despedem-se e desaparecem na direcção da carrinha. Fecho a porta. A tarde está fria e chuvosa e, cá dentro, admiro a nova paisagem: um piano no meio do salão de xisto e pedra. O sonho tornado realidade. Os gatos aproximam-se para inspecionar o novo objecto e os chei ros que dele se desprendem. Rondam cuidadosamente o enorme vulto até que o Persa salta para o tampo e aí fica, usufruindo do inédito ponto de observação. Alguns pêlos espalham-se pela superfície luzidia e tomo consciência de que, a partir de agora, sou possuidor de um objecto ao qual é preciso limpar o pó regularmente. Desde esse dia, comecei, para além de limpá-lo, a compôr para ele. O resultado dessa aventura solitária está no som destas peças, que vagueiam numa espécie de neo -clacissismo assumido, fruto de sentimentos variados e de uma vida musical já bastante longa.

Carlos Maria Trindade

Danças Ocultas – 2022 Tour Portugal

Tour 2021/22 – O Projeto

Os Danças Ocultas de Artur Fernandes, Filipe Cal, Filipe Ricardo e Francisco Miguel são – e é lícito escrevê-lo tendo em conta que levam já três décadas de carreira – um dos grandes tesouros da música portuguesa contemporânea.
O invulgar quarteto de concertinas é caso sem paralelo na história moderna da música portuguesa: mesmo tendo adoptado instrumentos populares, o grupo conseguiu levar a sua música às mais respeitadas salas nacionais e internacionais, dividir palcos com orquestras clássicas e colaborar com importantes nomes da música, de Rodrigo Leão a Carminho entre outros.

No mais recente álbum, Dentro Desse Mar, os Danças Ocultas reinventam-se sem perderem a vincada identidade que lhes valeu tanta atenção nacional e internacional, conseguindo manter a ligação à sua própria história e passado e abrindo ao mesmo tempo um novo oceano de possibilidades para o futuro. O trabalho de Jaques Morelenbaum foi a esse nível um triunfo: o produtor soube entender o que torna os Danças Ocultas tão singulares e também adivinhar na sua arte novas nuances que rendem um maravilhoso registo, amplo na sua abertura ao mundo, cheio de ideias, de sons, de palavras e melodias.

 

Francisco Sales – Fogo na Água

Fogo na Água – o projeto

Com Fogo na Água, editado em outubro de 2022, o músico e compositor Francisco Sales entra numa nova fase da sua carreira.
Neste terceiro álbum – com que sucede ao muito aclamado Mles Away de 2017 -, o guitarrista investiu quatro anos de trabalho e apresenta-se a explorar a sonoridade de diferentes instrumentos – não apenas as guitarras eléctrica e acústica, mas também a de 12 cordas ou a icónica guitarra metálica conhecida por dobro – para erguer um muito emocional conjunto de peças que evocam ideias de força, luta e resiliência, navegando igualmente por algumas noções contrastantes já apontadas no título: o fogo e água, a terra e o ar, elementos primordiais que aqui se traduzem em música altamente evocativa e em que a identidade funda portuguesa é explorada – como acontece em “Pulsar da Terra”, por exemplo.

O músico que em Inglaterra trabalhou de perto com os Incognito de Jean Paul Maunick, agora chamou Beatriz Nunes, aclamada cantora de jazz que chegou a integrar os Madredeus, para pela primeira vez adicionar vozes a composições de sua autoria. Garante Francisco que Beatriz representa a sua própria alma. Neste trabalho que o próprio compositor descreve como sendo mais cinematográfico e em que garante ter-se reinventado como compositor, a produção foi divida com Tiago Gomes.

Francisco Sales Miles Away – 2022 Tour Portugal

Miles Away – o projeto

O virtuoso guitarrista português, que integra a famosa banda internacional Incógnito, apresenta “Miles Away”, o seu mais recente disco inspirado nas suas viagens em que o músico mistura em doses bem equilibradas o jazz e música ambiental.
Voltei para Portugal em 2017, onde vivo desde então. É o país onde me sinto mais inspirado para compor, onde gosto de apreciar a vida e onde me sinto mais seguro e feliz. Hoje em dia continuo a tocar com os Incognito pelo mundo inteiro, mas estou a viver em Portugal”, diz-nos o Francisco, que se mostra centrado e focado em desenhar agora o seu próprio futuro.  “Quando regresso a casa destes concertos todos, tenho sempre trabalhado muito na minha carreira a solo e tenho tentado crescer com ela. Esse trabalho passa pelo desenvolver da sua visão artística e pelo aprofundar da sua relação com um instrumento que pode soar surpreendente nas mãos certas. Essa surpresa tem sido uma constante quando Francisco Sales se apresenta a solo, mostrando a sua forma particular, aventureira e altamente hipnótica de tocar guitarra. Essa originalidade já lhe valeu, aliás, convites para abrir concertos para gente como Rodrigo LeãoAvishai Cohen ou Diana Krall.

Francisco Sassetti

O compositor e pianista Francisco Sassetti apresenta o seu álbum de estreia em nome próprio com composições de sua autoria.

Este trabalho a solo marca uma nova etapa na sua vida, da qual a ligação ao piano já faz parte há 30 anos, mostrando-o também como compositor, abrindo as portas para um lado mais íntimo e secreto da sua personalidade.

“Na realidade”, conta o músico, “a maioria dos temas já tem cerca de 10 anos. Depois da morte do meu irmão, em 2012, comecei a compor compulsivamente, quase como se quisesse continuar a obra dele, tão tragicamente deixada a meio. Era uma forma de lamento e, também, um espaço de paz e silêncio. Por outro lado, o exigente trabalho como concertista e professor (na Escola Superior de Música de Lisboa e na Orquestra Metropolitana entre outras instituições) não me deixava muito tempo para terminar as composições, o que, entretanto, consegui”, revela Francisco.

 

De facto, não foi só no seu íntimo que o desaparecimento do seu irmão Bernardo Sassetti deixou um enorme vazio. Esse sentimento de perda ajuda a explicar o lado contemplativo e cinemático das suas peças, muito líricas, que se desenvolvem numa trama que soa quase mágica e que é indubitavelmente plena de emoção. Temas como “dawn”, “Home” ou “Goodbye” deixam transparecer o peso emocional que se enreda nas melodias que nos tocam no lado mais fundo. Triste, mas nunca sombria, introspetiva e nostálgica, esta música também vibra com vida e paixão e afirma o nome de Francisco Sassetti no entusiasmante panorama da cena neo-clássica.

Gaiteiros De Lisboa – Bestiario – Tour Portugal

Bestiário – O Projeto

Quando primeiro surgiram, em 1991, os Gaiteiros de Lisboa eram “outra coisa”. Mesmo pelo meio de uma cena musical fervilhante de novos olhares para a música tradicional portuguesa, os Gaiteiros promoviam o embate directo entre tradição e inovação, respeito pelo passado e vontade de abrir caminhos para o futuro.

De um lado, músicos veteranos que tinham aprendido com as recolhas de Giacometti e tocado com nomes como José Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco (que viria a produzir o primeiro disco do grupo) ou Fausto. Do outro, músicos oriundos da cena pop ou rock ou jazz que olhavam para a tradição de modos totalmente novos.

A conjugação projectava os Gaiteiros de Lisboa para outro patamar, com a gaita de foles trazida por Paulo Marinho (Sétima Legião) e as polifonias vocais lideradas por Carlos Guerreiro e José Manuel David no centro de um furacão criativo que estava permanentemente em ebulição. Como diz a frase: “a tradição já não é o que era nem será o que foi e nunca foi o que pensávamos que era”.

E o que saiu dessa abordagem era “outra coisa”. Nas palavras do crítico do Expresso, João Lisboa, “os Gaiteiros de Lisboa habitam um universo inteiramente privado […] (onde) muito pouco ou nada funciona de acordo com as normas com que habitualmente a música é lançada à pauta”.

Trinta anos depois, o mundo mudou, a formação do grupo também. Em “Bestiário”, sexto álbum de material original e primeiro em sete anos, apenas Carlos Guerreiro e Paulo Tato Marinho restam dos Gaiteiros que entraram em estúdio pela primeira vez em 1995. A nova formação completa-se com Miguel Veríssimo, Miguel Quitério, Paulo Charneca (que já fez anteriormente parte do grupo) e Sebastião Antunes (dos Quadrilha).

Mas os Gaiteiros de Lisboa, tendo mudado, não mudaram: continuam a ser “outra coisa”. Como a aldeia gaulesa do Astérix, os Gaiteiros resistem, ainda e sempre, a serem metidos numa gaveta. A gaita de foles e as polifonias vocais continuam no centro, a música ao seu redor continua a ser surpreendentemente moderna, inventiva, viva, contemporânea e ao mesmo tempo intemporal. Nunca se ouviu o clássico açoriano “Chamateia” desta maneira; um tema novo como “Brites de Almeida” parece um clássico tradicional só agora reencontrado.

E os muitos convidados de “Bestiário” insistem nessa fuga a categorias e gavetas. A companheiros de percurso como o açoriano Zeca Medeiros ou a veterana Filipa Pais juntam-se o jovem colectivo vocal feminino Segue-me à Capela e João Afonso Lima, sobrinho de Zeca. Pedro Oliveira, dos Sétima Legião, dá voz a “Besta Quadrada” e Rui Veloso empresta a sua guitarra eléctrica e a sua voz a “Comprei uma Capa Chilrada”.

“Bestiário” é inteiramente composto por material inédito em disco – as excepções são “Roncos do Diabo”, publicado na compilação de 2018 “A História”, e “Comprei uma Capa Chilrada”, gravado pela primeira vez em “Sátiro” mas aqui numa versão regravada.

“Bestiário” confirma como os Gaiteiros de Lisboa, trinta anos depois do início e com uma formação nova, continuam a ser “outra coisa”, a habitar o mesmo universo privado alheio a modas passageiras e aberto a tudo o que nele caiba. Ou seja, os mesmos Gaiteiros de sempre: imprevisíveis, inconfundíveis, imprescindívei

Duplex – 2022 Tour Portugal

DUPLEX  – O PROJETO

João Barradas e Ricardo Toscano são dois dos mais destacados nomes do presente jazz português. O primeiro, acordeonista, tem desenvolvido uma abordagem própria a um instrumento pouco comum no jazz e, tal como demonstrado com os dois trabalhos que este ano lançou na Nischo, um deles um solo absoluto registado no CCB, feito por merecer os amplos aplausos da crítica especializada. O segundo, saxofonista alto, tem-se não apenas notabilizado à frente do seu quarteto, angariando efusivos elogios, mas também sido chamado a colaborar em contextos muito distintos, seja para solar à frente de uma orquestra num concerto com Sam The Kid, seja para integrar, em palco com Camané, uma homenagem a Amália Rodrigues. 

 Juntos, Barradas e Toscano, assinam um dos mais aguardados encontros  sob a designação DUPLEX: “Eu adoro tocar com o João”, admite Ricardo, “quando nos encontramos é sempre uma viagem”. Barradas concorda: “Já nos conhecemos há muitos anos. Vi-o a primeira vez no CCB quando tinha uns 15 anos, era ele também um miúdo”. Foi numa edição da Lisbon Jazz Summer School e a ocasião foi uma masterclass de Greg Osby, gigante jazz americano que em ambos reconheceu imediatamente o desmedido talento.