Colaborador nato que parece viver para encontros com outros artistas,
sobretudo em palco, Luiz Caracol é um multi-facetado artista que compõe,
escreve e interpreta de forma muito própria. Caracol descreve-se como o
resultado desses encontros com gente da África lusófona, do Brasil e de
Portugal, pois claro. “O Zeca, o David Zé, o Ruy Mingas, o Caetano ou Gil
ocupam espaços idêntico na minha formação artística”, explica. “A minha
música”, conclui depois, “vive muito da ideia de mistura”.
Com trabalhos lançados já em nome próprio, Caracol chegou a 2023 com
vontade de olhar para o percurso já feito e pensar no que o futuro lhe poderia
trazer. E na grande sala do mítico estúdio lisboeta Namouche – por onde ao
longo das décadas passaram incontáveis músicos que ajudaram a escrever a
nossa história – gravou ao vivo um conjunto de canções que marcam o seu
percurso, do “Samba do Bairro” a “O Mundo” ou “Em Marcha”, temas que
integravam “Devagar”, a sua estreia em nome próprio de 2013, ou ainda
“Metade”, “Não Quero”, “Tou Farto” e “Falhou na Dança”, canções de “Metade e
Meia”, disco de 2017.
Com arranjos novos, mas as palavras de sempre, e directamente inspirado
pelos clássicos concertos da MTV Unplugged que o marcaram no início do seu
percurso musical, este “Ao Vivo no Namouche” rendeu um disco e um
espectáculo que foi transmitido pela RTP, vincando a qualidade de escrita e de
interpretação que Luiz Caracol sempre depositou na sua música.
Agora, num trio com Gus Liberdade e Pedro Carvalho – “todos multi-
instrumentistas”, como Luiz faz questão de frisar – essas canções e mais
algumas novidades dão corpo a um espectáculo que é uma vénia à
multicultural vibração de Lisboa, cheio de histórias, melodias memoráveis e de
uma fluidez que sobrevoa o Atlântico de forma quase mágica.
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Antti Paalanen
O músico e compositor Antti Paalanen (n. 1977) tem-se destacado no domínio da música popular contemporânea finlandesa desde há muitos anos. Antti Paalanen faz a sua música no acordeão bisonórico (diatónico), um instrumento comum na música folclórica finlandesa do século passado. Paalanen tem utilizado um estilo de execução orgânico, novas técnicas e novas sonoridades expressivas para expandir o potencial do instrumento de modo a abranger uma variedade de géneros.
Paalanen é originário da Ostrobótnia do Sul, uma região rica na tradição pelimanni (“músico tradicional”) da música folclórica finlandesa. Entre 1989 e 1996, Paalanen ganhou quatro vezes o campeonato finlandês de pelimanni no acordeão diatónico e ficou em segundo lugar no campeonato mundial de acordeão diatónico na Áustria em 1999. Inscreveu-se no Departamento de Música Popular da Academia Sibelius em 1997 e concluiu o seu Mestrado em Música em 2006. Em 2015, concluiu o doutoramento na Academia Sibelius da Universidade das Artes de Helsínquia.
Paalanen lançou quatro álbuns a solo: ÄÄRELÄ (2007), BREATHBOX (2010), MELUTA (2014) e RUJO (2019). Meluta foi nomeado para o Prémio de Música do Conselho Nórdico de 2016 e para o Prémio Teosto nacional em 2015. Os álbuns Breathbox e Rujo foram nomeados para o Etno Album of the Year 2011 e 2020 na gala anual Emma Gala, que é igual aos Grammy’s na Finlândia. Paalanen participou na exposição mundial de música WOMEX, em Copenhaga, em 2011. Após o seu sucesso na WOMEX, actuou amplamente na Europa, Japão e Canadá. Paalanen é um músico e compositor ativo em vários contextos na Finlândia. Até à data, participou em 15 álbuns de várias bandas, contribuindo com composições e arranjos. Escreveu música para o palco e trabalhou como músico de palco no Teatro Nacional Finlandês e noutros grandes teatros finlandeses.
Chico César
Sétima Legião
Foi em 1982 que a Sétima Legião surgiu no então agitadíssimo panorama musical português, apresentando uma visão singular da música sintonizada com as experiências mais avançadas da pop alternativa da época, mas sem esquecer a identidade portuguesa. 30 anos depois, a Sétima Legião de Pedro Oliveira (voz e guitarra), Rodrigo Leão (baixo e teclas), Nuno Cruz (bateria, percussão), Gabriel Gomes (acordeão), Paulo Marinho (gaita de foles, flautas), Ricardo Camacho (teclas), Paulo Abelho (percussão, samplers) e Francisco Menezes (letras, coros) prepara grandes apresentações que pretendem assinalar o percurso efetuado. Trata-se do regresso de um grupo de amigos para quem a música foi sempre causa para celebração e resultado dessa mesma amizade.
Os Sétima Legião referem que o plano já existia há algum tempo e que sempre que a banda se reúne para tocar «para 100 ou 200 amigos naqueles concertos que fazemos para aí de dois em dois anos no Frágil» a ideia volta a ser colocada em cima da mesa. No momento em que as condições estão finalmente reunidas, celebram-se também três décadas passadas desde os primeiros passos do grupo, com Rodrigo Leão, Pedro Oliveira e Nuno Cruz.
A Sétima Legião deixou uma marca vincada na produção musical nacional dos anos 80 e 90. Os três primeiros álbuns do grupo, os clássicos A Um Deus Desconhecido (1984), Mar D’Outubro (1987) e ainda De Um Tempo Ausente (1989), os trabalhos que permitiram à Sétima Legião conseguir um lugar de destaque na cena musical nacional, graças ao sucesso de temas como «Sete Mares» ou «Por Quem Não Esqueci». O single inaugural da discografia do grupo, «Glória», com letra de Miguel Esteves Cardoso, acabou ele próprio por ganhar um estatuto algo mítico com o passar do tempo depois de uma importante mas discreta edição com selo da Fundação Atlântica em 1983.
Os anos 90 foram igualmente importantes para a Sétima Legião, que lançou os álbuns O Fogo (1992), Auto de Fé (1994) e Sexto Sentido (1999). Os dois volumes d’A História da Sétima Legião e duas compilações de sucessos permitiram à banda manter-se firme na memória coletiva durante a década passada. A rádio, no entanto, nunca permitiu que a música do grupo se afastasse demasiado da memória, continuando a tocar os maiores clássicos do grupo até aos dias de hoje.
De assinalar que da Sétima Legião saíram músicos que se envolveram em projetos ímpares da música portuguesa como os Madredeus, Gaiteiros de Lisboa ou Cindy Kat, além claro, da notável carreira a solo de Rodrigo Leão.
Gaiteiros de Lisboa
Quando primeiro surgiram, em 1991, os Gaiteiros de Lisboa eram “outra coisa”. Mesmo pelo meio de uma cena musical fervilhante de novos olhares para a música tradicional portuguesa, os Gaiteiros promoviam o embate directo entre tradição e inovação, respeito pelo passado e vontade de abrir caminhos para o futuro.
De um lado, músicos veteranos que tinham aprendido com as recolhas de Giacometti e tocado com nomes como José Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco (que viria a produzir o primeiro disco do grupo) ou Fausto. Do outro, músicos oriundos da cena pop ou rock ou jazz que olhavam para a tradição de modos totalmente novos.
A conjugação projectava os Gaiteiros de Lisboa para outro patamar, com a gaita de foles trazida por Paulo Marinho (Sétima Legião) e as polifonias vocais lideradas por Carlos Guerreiro e José Manuel David no centro de um furacão criativo que estava permanentemente em ebulição. Como diz a frase: “a tradição já não é o que era nem será o que foi e nunca foi o que pensávamos que era”.
E o que saiu dessa abordagem era “outra coisa”. Nas palavras do crítico do Expresso, João Lisboa, “os Gaiteiros de Lisboa habitam um universo inteiramente privado […] (onde) muito pouco ou nada funciona de acordo com as normas com que habitualmente a música é lançada à pauta”.
Trinta anos depois, o mundo mudou, a formação do grupo também. Em “Bestiário”, sexto álbum de material original e primeiro em sete anos, apenas Carlos Guerreiro e Paulo Tato Marinho restam dos Gaiteiros que entraram em estúdio pela primeira vez em 1995. A nova formação completa-se com Miguel Veríssimo, Miguel Quitério, Paulo Charneca (que já fez anteriormente parte do grupo) e Sebastião Antunes (dos Quadrilha).
Mas os Gaiteiros de Lisboa, tendo mudado, não mudaram: continuam a ser “outra coisa”. Como a aldeia gaulesa do Astérix, os Gaiteiros resistem, ainda e sempre, a serem metidos numa gaveta. A gaita de foles e as polifonias vocais continuam no centro, a música ao seu redor continua a ser surpreendentemente moderna, inventiva, viva, contemporânea e ao mesmo tempo intemporal. Nunca se ouviu o clássico açoriano “Chamateia” desta maneira; um tema novo como “Brites de Almeida” parece um clássico tradicional só agora reencontrado.
E os muitos convidados de “Bestiário” insistem nessa fuga a categorias e gavetas. A companheiros de percurso como o açoriano Zeca Medeiros ou a veterana Filipa Pais juntam-se o jovem colectivo vocal feminino Segue-me à Capela e João Afonso Lima, sobrinho de Zeca. Pedro Oliveira, dos Sétima Legião, dá voz a “Besta Quadrada” e Rui Veloso empresta a sua guitarra eléctrica e a sua voz a “Comprei uma Capa Chilrada”.
“Bestiário” é inteiramente composto por material inédito em disco – as excepções são “Roncos do Diabo”, publicado na compilação de 2018 “A História”, e “Comprei uma Capa Chilrada”, gravado pela primeira vez em “Sátiro” mas aqui numa versão regravada.
“Bestiário” confirma como os Gaiteiros de Lisboa, trinta anos depois do início e com uma formação nova, continuam a ser “outra coisa”, a habitar o mesmo universo privado alheio a modas passageiras e aberto a tudo o que nele caiba. Ou seja, os mesmos Gaiteiros de sempre: imprevisíveis, inconfundíveis, imprescindíveis.
GAITEIROS DE LISBOA
CARLOS GUERREIRO | MIGUEL QUITÉRIO | MIGUEL VERÍSSIMO |PAULO CHARNECA | PAULO TATO MARINHO | SEBASTIÃO ANTUNES
BESTIÁRIO
Produção e direcção musical de CARLOS GUERREIRO
excepto “BESTA QUADRADA” (PAULO MARINHO)
e “CANTO DO CORAÇÃO” (MIGUEL QUITÉRIO)
Co-produção, gravação e mistura de CARLOS JORGE VALES
“BALEEIROS DE NEW BEDFORD”
(com ZECA MEDEIROS)
“RONCOS DO DIABO”
“CANTO DO CORAÇÃO”
“BRITES DE ALMEIDA”
“BESTA QUADRADA”
(com PEDRO OLIVEIRA)
“CHAMATEIA”
(com FILIPA PAIS e JOÃO AFONSO)
“FLECHA “
(com SEGUE-ME À CAPELA)
“PARA SANTALICES”
“NATIVIDADE”
“COMPREI UMA CAPA CHILRADA “
(com RUI VELOSO)
“LOLITA FIREWINGS”
DISCOGRAFIA
1995 – INVASÕES BÁRBARAS (Farol)
1997 – BOCAS DO INFERNO (Farol)
2000 – DANÇACHAMAS (ao vivo) (Farol)
2002 – MACARÉU (Aduf)
2006 – SÁTIRO (Aduf/Sony Music)
2012 – AVIS RARA (D’Euridice)
2018 – A HISTÓRIA (compilação) (Uguru)
2019 – BESTIÁRIO (Uguru)
Danças Ocultas
Um oceano também é um mar de sons, e o instrumento pode ser a nossa nave. Há fluxos e refluxos, nessa imensidão.
Há marés e bons ventos – que são o alento dos viajantes – e miríades de fulgores entre longínquas margens.
E há vozes, outros tons e inflexões, outras pessoas e cidades, uma azáfama grande. Poemas (e poetas).
Procura-se o caminho: é em diante, onde a surpresa talvez seja constante.
E há danças ocultas dentro desse mar.
Jorge Pereirinha Pires
Os Danças Ocultas de Artur Fernandes, Filipe Cal, Filipe Ricardo e Francisco Miguel são – e é lícito escrevê-lo tendo em conta que levam já praticamente três décadas de carreira – um dos grandes tesouros da música portuguesa contemporânea.
O invulgar quarteto de concertinas é caso sem paralelo na história moderna da música portuguesa: mesmo tendo adoptado instrumentos populares, o grupo conseguiu levar a sua música às mais respeitadas salas nacionais e internacionais, dividir palcos com orquestras clássicas e colaborar com importantes nomes da música, de Rodrigo Leão a Carminho entre outros.
Agora, os Danças Ocultas apresentam o mais ambicioso projecto artístico da sua carreira: Dentro desse mar foi gravado entre Dezembro de 2017 e Junho de 2018 nos estúdios Casa do Mato, no Rio de Janeiro, com o conceituado Jaques Morelenbaum aos comandos da produção. O violoncelista, compositor, arranjador e produtor tem um currículo de luxo que cruza o seu percurso com o de artistas tão importantes quanto Tom Jobim, Caetano Veloso, Marisa Monte, Madredeus, Ryuichi Sakamoto ou David Byrne, para citar só alguns.
Com participações de Marcos Suzano, Paulo Braga, Marcelo Costa e Robertinho Silva (percussões), David Feldman (piano), Lula Galvão (violão e guitarra eléctrica), Rogério Caetano (violão), Luis Barcelos (cavaquinho e bandolim) e Tiago Abrantes (clarinete), o álbum conta com composições e arranjos dos próprios Danças Ocultas e ainda participações de Carminho, Zélia Duncan e Dora Morelenbaum nas vozes e do próprio Jaques no violoncelo.
Por outro lado, os temas com voz contam com letras de Arnaldo Antunes (“Dessa Ilha”), Carlos Rennó (“As Viajantes”) e Tiago Torres da Silva (“O Teu Olhar”). Três mestres na arte de criar imagens com as palavras de que se faz a nossa língua que é, ela mesma, um mar dentro do qual todos vivemos.
No mais recente álbum, os Danças Ocultas reinventam-se sem perderem a vincada identidade que lhes valeu tanta atenção nacional e internacional, conseguindo manter a ligação à sua própria história e passado e abrindo ao mesmo tempo um novo oceano de possibilidades para o futuro. O trabalho de Jaques Morelenbaum foi a esse nível um triunfo: o produtor soube entender o que torna os Danças Ocultas tão singulares e também adivinhar na sua arte novas nuances que rendem um maravilhoso registo, amplo na sua abertura ao mundo, cheio de ideias, de sons, de palavras e melodias. É Dentro Desse Mar que os Danças Ocultas querem agora viajar. E todos estamos convidados a embarcar com eles, rumo a novas aventuras.