Gente é o novo álbum e tour da artista Nancy Vieira, uma das vozes mais expressivas e representativas de Cabo Verde. Uma bela mistura da tradição de Cabo Verde com os novos sons da ilha. Ao vivo, Nancy junta-se à sua banda para uma performance memorável. 

A música cabo-verdiana com suas mornas, coladeras, batucos ou funanás, traz na sua matriz esse misto de géneros, unidos na diversidade das ilhas. A emigração e o contacto com o outro, nunca perdem a inconfundível e marcante presença das comunidades que cantam, dançam e vivem intensamente a sua música, mesmo fora do seu território nacional.  

Residente em Portugal, Nancy Vieira (considerada a sucessora de Cesária Évora) dá voz, de forma muito pessoal e talentosa à música do seu país convocando, ao mesmo tempo, os encontros com artistas de outras nacionalidades quer europeias, africanas, brasileiras ou da américa latina. As parcerias que tem vindo a fazer com artistas portugueses como Manuel Paulo (Ala dos Namorados) ou Rui Veloso e agora com Amélia Muge, entre outros, são também uma contribuição importante no reforçar destes laços.  

Numa época em que se tenta atribuir modernidade ao mero recurso a novas tecnologias ou à mera desmontagem de muitas das formas de acompanhamento habituais da música tradicional, Nancy, com este seu novo trabalho, vem apontar, de forma mais marcante ainda, outros caminhos para presente, desafiando as formas de produção habituais, muito centradas nas ideias de um só produtor, para contrapor um desenvolver de encontros de ideias entre músicos de várias nacionalidades, géneros, idades e sentires. O ponto fulcral deste trabalho é esta marca de um convívio artístico e humano tão necessário num mundo carente de diálogo e de reconhecimento da influência do outro, no desenvolvimento das culturas no planeta. Mais do que inovações tecnológicas ou de moda, esta música convoca aquilo que é o mais essencial e necessário de qualquer música: a comunicação com os outros. 

Gente é este espaço de “conversa” onde a emocionante voz de Nancy Vieira é a grande anfitriã. Os produtores, muito atentos à especificidade deste trabalho são Amélia Muge, António José Martins (também arranjadores) e a própria Nancy, estabelecendo o fundamental elo de ligação entre todos, nesta mistura de gente diversa em termos de arranjos, músicos, instrumentos, géneros e ritmos musicais. É deste encontro, onde participam os consagrados Mário Lúcio (cordas), Vaiss Dias (cordas) ou Zé Paris (baixo), o basco Olmo Marín e Jorge Cervantes (ambos cordas), Iuri Oliveira (percussão) os brasileiros Luciano Maia e Gustavo Nunes (acordeão e clarinete respetivamente), o ucraniano Denys Stetsenko (violino) que nasce este Gente, que dá continuidade, com mais intensidade ainda, àquilo que tem sido o trabalho desenvolvido por Nancy Vieira entre a tradição musical cabo-verdiana e o resto do mundo. 

Com autores reconhecidos como Mário Lúcio (com dois originais entre outros temas), Teófilo Chantre, Betú, o clássico B.Leza ou Ano Nobo, Princezito ou José Maria Neves, com mais originais ou arranjos de músicos da nova geração, como os Acácia Maior ou Fogo Fogo (também convidados musicais), com originais ainda do basco Olmo Marín ou de Amélia Muge, tendo também como arranjadores ou autores o brasileiro Fred Martins ou o peruano Jorge Cervantes (ambos também nas cordas), com os instrumentos habituais acústicos cabo-verdianos convivendo com os elétricos, o charango do Peru, ou a viola da terra portuguesa , com “funambas” (mistura de funanás e sambas), fados crioulos, ou ritmos africanos como a marrabenta, os encontros são entre pessoas, instrumentos, ritmos e histórias. Histórias de embalos de criança, de infâncias na Praia Maria, de filhos grandes, dias de festa natalícia, procissões como pano de fundo a amores não realizados, histórias de perfumes, de rosas e de mulher, desentendimentos, viagens na perdição das sereias e, finalmente, a presença de Cesária na voz de muitos. Histórias com convidados cantores que as ajudam a contar, como António Zambujo, Mário Lúcio ou Princezito. 

O que vamos escutar aqui é a mesma Nancy Vieira, herdeira fabulosa desta música telúrica, de ritmo marcante, que chora a cantar. Mas o que este Gente prova é que não existe, neste momento, comparação atual com mais nenhuma outra cantora, naquilo que Nancy Vieira reúne, numa mesma proposta artística, de maturidade, qualidade musical e presença. 

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